Você já ouviu falar na APAC? Reportagem portuguesa sobre a experiência

A Associação de Proteção e Assistência aos Condenados (APAC) vem conseguindo bons resultados  na recuperação dos privados de liberdade. O debate, em Portugal, sobre esse modelo é discutido nesse documentário.

Segundo o sítio da APAC, a reincidência com o método é de 8,62% e, sem o método de 18,43%. Veja o documentário:

Ipea mede percepção social sobre segurança pública

Estudo com foco em segurança
Pesquisa sobre segurança pública revela que grande parte da população teme ser assassinada ou assaltada a mão armada

O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) lançou nesta quinta-feira, 2, às 14h30, em Brasília, o Sistema de Indicadores de Percepção Social (SIPS) sobre Segurança Pública. O indicador mostra como a população avalia os serviços públicos em áreas específicas e qual é o grau de importância deles para a sociedade. O lançamento foi feito em entrevista coletiva na sede do Instituto em Brasília (Setor Bancário Sul, quadra 1, bloco J, edifício BNDES/Ipea, auditório do subsolo) com transmissão ao vivo, pela internet, para todo o Brasil.

A pesquisa sobre segurança pública mostra que nove em cada dez entrevistados têm medo de sofrer crimes como homicídio, assalto a mão armada e arrombamento de residência. Também há dados com recortes de renda, sexo, idade, estado civil e escolaridade sobre a confiança nas instituições policiais, a atuação da polícia, a avaliação dos serviços prestados e os problemas relatados pela população no contato com os policiais.


SIPS
O novo sistema de indicadores vai permitir ao setor público estruturar as suas ações para uma atuação mais efetiva, de acordo com as demandas da população brasileira. As primeiras edições foram sobre justiça e cultura. Ainda serão lançadas avaliações sobre bancos; mobilidade urbana; saúde; educação; e qualificação para o trabalho.

A pesquisa é feita presencialmente, com visitas aos domicílios. Para a elaboração do novo indicador, foram ouvidos 2.770 brasileiros em todos os estados do Brasil. A técnica usada é a de amostragem por cotas, que garante representatividade e operacionalidade e mantém a variabilidade da amostra igual à da população nos quesitos escolhidos. A margem máxima de erro por região é de 5% e o grau de confiança é de 95%.




Quase metade dos presos não tem ensino fundamental (entrevista Jornal do Tocantins, 24.10.2010)

Para especialista em perfil da população carcerária, evasão escolar empurra o cidadão para a delinquência

Isabelle Bento

Palmas


Quase a metade dos presos do Tocantins não completou o ensino fundamental e, na visão de estudioso sobre o ambiente prisional no Estado, essa parcela de detentos é fruto da evasão escolar. Segundo dados do Sistema Integrado de Informações Penitenciárias (InfoPen), em junho de 2010, dos 1.907 presos que tiveram o grau de instrução informado, 44,10%, ou seja, 841 detentos tinham o ensino fundamental incompleto. Em junho de 2006, essa parcela correspondia a 34,33%. Analfabetos e alfabetizados somam 480, o que corresponde a 25,17% dos detentos em junho de 2010.

“Essa maioria hoje de presos analfabetos ou que não chegaram ao 4º ano do ensino fundamental é formada por alunos que evadiram das escolas ontem. Então, um pouco dessa culpa é nossa, do sistema”, afirma o coordenador do grupo de pesquisa em Educação, Cultura e Transversalidade da Fundação Universidade do Tocantins (Unitins), Gilson Porto, que desenvolve estudo em educação nas prisões no Tocantins.

No último levantamento disponível sobre evasão escolar, referente a 2005, a taxa do Tocantins na 4ª série do Ensino Fundamental era de 7,6%; na 8ª série, 14,2%. Os dados são do Ministério da Educação e do Instituto de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). Segundo Gilson Porto, esses alunos que evadem da escola pública começam a se envolver em pequenas arruaças, depois com vadiagem e por fim se envolvem com o tráfico de entorpecentes. “E aí é um pulo para se chegar dentro do presídio.”

Escola Pública
Para o coordenador, esse é um problema social grande que a escola poderia estar colaborando, se houvesse uma política efetiva de combate à evasão escolar. “Se for perguntar aos presos de onde eles vieram, onde eles estudaram, você vai ver que muitos deles são egressos da escola pública. A gente não tem uma política efetiva de controle de combate à evasão escolar que leva sim ao mundo da criminalidade, que envolve tráfico de drogas”, afirma. Segundo Porto, junto a essa questão também há a falta de emprego, de perspectiva e falta de religiosidade, “que contribuem para a transformação de um cidadão em um delinquente”.

Motivação
Segundo Porto, a maioria dos presos, quando questionados sobre os motivos que os levaram a não prosseguir com os estudos, responde que não tiveram interesse. Essa constatação também está numa pesquisa da Fundação Getúlio Vargas (FGV) de 2006. O estudo Motivos da evasão escolar mostrou o Tocantins no topo do ranking nacional quando o motivo principal da evasão, na faixa etária dos 15 a 17 anos, é a falta de vontade de prosseguir os estudos.


Especialista vê saída em mais educação (entrevista ao Jornal do Tocantins, 12.12.2010)

Isabelle Bento
Palmas

O coordenador do grupo de pesquisa em educação, cultura e transversalidade da Fundação Universidade do Tocantins (Unitins), que desenvolve estudo em educação nas prisões no Estado, Gilson Porto, explica que há dois problemas sociais diretamente ligados ao aumento no número de crimes de tráfico de entorpecentes. “O problema de quem vende para sobreviver e o problema de quem consome e mantém essa indústria funcionando”, afirma, dizendo que, se há um crescimento do tráfico, é porque há um aumento na procura por entorpecentes.

Na opinião do coordenador, não se deve só punir o vendedor. “O consumidor precisa ser coibido e tratado. E, como consequência, ele veja isso como um mal social que deve ser evitado. Nós temos os dois problemas, mas infelizmente não trabalhamos nos dois campos efetivamente. Só trabalhamos um deles, a repressão”, avalia.



EDUCAÇÃO

Para Gilson Porto, a educação deve ser para considerada como uma porta de saída para os dois lados, tanto de quem usa quanto de quem vende a droga. Segundo Porto, as pessoas que vendem drogas fazem isso, na maioria dos casos, por necessidade social. “A maioria se envolve nisso por falta de perspectiva de emprego e de crescimento social. Agora, quem consome tem uma opção, a opção de não consumir, porque para consumir precisa ter dinheiro”, analisa.

Essa lógica sustentaria a linha de pensamento dos estudiosos que defendem maior rigor na punição, como saída para o problema das drogas. Opinião da qual não compartilha Porto. A saída, para o especialista, é a educação, como um processo completo, em que o indivíduo seja compreendido na sua essência social, humana, nos seus direitos e valores e nas suas perspectivas.

“São pontos importantes que a gente precisa reforçar. E que uma política honesta e clara e comprometida deveria primar dentro desse bojo, dessa situação social que a gente vive.”


Crime de tráfico é o que mais cresce no Tocantins (notícia publicada no Jornal do Tocantins de 12.12.2010)

Segundo Infopen, casos cujos autores estavam presos em junho de 2006 eram 146; número subiu para 528 em 2010

Valéria Kurovski

Palmas

O relatório de estatísticas do sistema penitenciário do Tocantins, referente a junho de 2010, elaborado pelo Sistema Integrado de Informações Penitenciárias (InfoPen), do Departamento Penitenciário Nacional, ligado ao Ministério da Justiça, mostra que a quantidade de crimes tentados ou consumados no Estado cresceu 49% nos últimos quatro anos. O crime de tráfico de entorpecentes é o que mais cresceu entre todos os tipos de crimes cujos autores estão presos provisoriamente ou cumprindo pena nas unidades prisionais do Tocantins.

Em junho de 2006, início da série histórica do InfoPen, eram 146 crimes de tráfico - com enquadramentos nos artigos 12 da Lei 6.368/76 e 33 da Lei 11.343/06. Em junho deste ano, o relatório aponta um total de 528 crimes, perfazendo um aumento de 262% em quatro anos. Do total apurado em junho de 2010, cinco estão enquadrados no artigo 18 da Lei 6.368/76, de tráfico internacional de entorpecentes - em 2006, não havia nenhum crime desse tipo registrado.

Do total de 2.509 crimes tentados ou consumados, conforme o relatório de junho de 2010 do InfoPen - eram 1.282 em junho de 2006 -, 71,5%, ou seja, 1.793 estão enquadrados no Código Penal brasileiro. Os demais, 716 (28,5%), enquadram-se em legislações específicas, como o próprio tráfico de entorpecentes, Lei Maria da Penha (47 casos) e Estatuto do Desarmamento (139 casos).

MULHERES

Nesse período de quatro anos, as mulheres avançaram mais no mundo do crime do que os homens, embora a maioria esmagadora dos crimes tenha sido cometida por homens. Foram 2.387 crimes praticados por homens (95%) contra 122 cometidos por mulheres (5%). Mas em junho deste ano, o número de crimes atribuídos às mulheres cresceu 177% em relação ao verificado em junho de 2006, quando apenas 44 crimes eram atribuídos a elas. Entre os homens, o número de crimes cresceu 92,8% nesse período de quatro anos, saltando de 1.238 em junho de 2006, para 2.387 em junho de 2010.


OUTROS CRIMES

Depois do tráfico de entorpecentes, os tipos de crimes que mais cresceram ao longo dos últimos quatro anos foram formação de quadrilha ou bando (133%); furto simples (111%), furto qualificado (93%) e homicídio simples (91,5%). Homicídio qualificado vem em sexto lugar com 65% de aumento no período de junho de 2006 a junho de 2010, seguido de estupro (61%), roubo qualificado (47%) e os crimes enquadrados no Estatuto do Desarmamento (42%).

Só abrir cadeias não basta, diz especialista (entrevista no Jornal do Tocantins 10.10.2010)

Palmas - Para o coordenador do grupo de pesquisa em educação, cultura e transversalidade da Fundação Universidade do Tocantins (Unitins), que desenvolve estudo em educação nas prisões no Estado, Gilson Porto, um dos problemas da estrutura do sistema penitenciário é o investimento. Porém, segundo ele, por outro lado não adianta só aumentar o número de celas. Para o especialista, a questão fundamental é diminuir a entrada de presos no sistema penitenciário.

“Se não tiver investimento para modernizar as estruturas, vão continuar sendo arcaicas e apresentar cada vez mais problemas. Não há verbas em número suficiente para cuidar e fazer a manutenção periódica desses prédios”, analisa.

Segundo Porto, há algumas saídas para se evitar o ingresso de mais presos no sistema penitenciário, como penas alternativas, revisão da política penitenciária brasileira, revisão do Código Penal brasileiro e uma mudança de perspectiva de que “uma vez criminoso sempre criminoso”. “É uma perspectiva que muitas pessoas têm, infelizmente, como a ideia de que uma pessoa que roubou uma margarina tem que pegar pena assim como quem roubou um carro ou um banco”, exemplifica.

Ele acrescenta que é preciso pensar na questão das diferenças de uma pessoa que é socialmente desprivilegiada e que foi excluída de todos os processos e uma pessoa que escolheu o mundo do crime. “São duas situações diferentes e que cada uma delas deveria ter punições diferenciadas. Mas no final das contas, acaba caindo no mesmo lugar e com o mesmo tratamento. Então, esse é um problema social grande que nós temos, de fazer diferenciação entre quem é punido, de que forma é punido”, conclui. (Isabelle Bento)

Os trezentos (publicado no Jornal do Tocantins de 24.06.2010)

Os trezentos

Gilson Pôrto Jr. é pedagogo, jornalista, mestre em Educação e doutorando em Comunicação. Coordena o Grupo Educação, Cultura e Transversalidade (Unitins). E-mail: gipounitins@gmail.com

Uma das grandes batalhas do mundo antigo imortalizou a figura dos 300 espartanos, liderados pelo Rei Leônidas. Esses enfretaram o exército persa de Xerxes de cerca de 1 milhão de soldados em 480 a. C. Na história, esse ato ficou conhecido como a Batalha das Termópilas, onde esses demonstraram o despreendimento face à morte pela defesa dos valores fundamentais - liberdade, família, honra. Independente do grau de veracidade do relato historiográfico, a representação do ato é emblemática e retrata o potencial que uma narratividade tem em produzir ações e a eclosão de sentimentos nobres.

Passados quase 2500 anos desse evento, outros 300 causam impressão. Não estão localizados na Grécia, mas no Brasil. Esses têm sua cidadania esquecida e até negada. Esses 300 estavam na delegacia de Vila Velha (ES). Eram 300 em uma cela que cabiam 36 pessoas. Esses 300 de Vila Velha são seres humanos, apesar de terem sua humanidade negada, seus valores desprezados e sua decência esmagada. Não faço aqui apologia ao preso. Quem se encontra privado de liberdade o fez por merecer, ou, como eles mesmos o dizem em tom de sarcasmo: “somos todos inocentes aqui moço... quase...”. Quem “perdeu” um amigo ou parente em um crime sabe a dor, o sofrimento e a mágoa presente. Ela é diferenciada e potencializada por cada indivíduo maculado pelo crime. O sofrimento parece ser amenizado quando o culpado está atrás das grades. Quanto maior seu sofrimento, maior a sensação de que, provisoriamente, foi feito a “justiça”. Esse é um sentimento verdadeiro, mas não a “verdade”. Henri Marrou, historiador moderno, dirá que uma narratividade, trará um olhar, um ponto de vista provisório e, nesse sentido, retrata o verdadeiro. O “real factual”, traduzido por muitos como a verdade, absoluto e final, esse seria impossível de ser alcançado, já que temos pontos de vista, olhares e desvios na interpretação do acontecido.

Apesar do sentimento de perda ser avassalador nas vítimas, não se pode esquecer que essa situação é uma via de mão dupla. Do outro lado, encontram-se outras figuras que, igualmente sofrem: são país, mães, filhos(as) e esposas(os). São pais e mães que sonhavam com filhos que os tirassem da situação de miséria em que se encontravam; são esposas que sonharam com um futuro, como o criar de filhos, com uma vida digna; são filhos que crescerão sem país ou mães e, ainda por cima, com o estigma, de serem “filhos do criminoso”.

A maioria desses (73,83% dos privados de liberdade), segundo os dados do INFOPEN/2009, são jovens entre 18 e 34 anos, que nem começaram a sonhar com a vida e, que já querem acordar do pesadelo em que se encontram. São 93,51% do sexo masculino, 56,43% de pretos e pardos e, 65,71% que nem mesmo completaram o ensino fundamental.

São vidas desperdiçadas, condenadas ao esquecimento e a solidão. Nutrem, dia a dia, mês a mês, ano a ano, o momento e a expectativa da liberdade. Alguns, não para retomar suas vidas interrompidas, mas para se vingar de uma sociedade que os excluiu desde o início de sua existência, que o excluiu da educação, do trabalho, do afeto e do amor familiar. Mais ainda: que os fizeram “animais”, que diariamente tem de se tornar mais ainda essa “fera” corrompida e incontrolável, para não ter seu corpo maculado na escuridão da noite e da superlotação das celas.

É, esses 300 de Vila Velha, não serão lembrados. Queremos esquecê-los, não são heróis, mas ainda são seres humanos. Seus rostos permanecerão na escuridão da “longa noite” social que viverão pelo resto de suas vidas. São como Jean Valjean, de “Os miseráveis” de Victor Hugo, que depois de cumprir 19 de anos de prisão (5 por roubar um pão e 14 por tentar fugir), recebeu seu documento de identidade que dizia se tratar de um homem perigoso. Marcado, estigmatizado, não havia lugar para esse homem no mundo.

Trabalho, educação e dignidade humana (publicado no Jornal do Tocantins de 09.06.2010)

Trabalho, educação e dignidade humana

Gilson Pôrto Jr é pedagogo, jornalista, mestre em Educação e doutorando em Comunicação e Culturas Contemporâneas e coordena o grupo de pesquisa Educação, Cultura e Transversalidade (Unitins).
E-mail: gipounitins@gmail.com

Em 2010, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada pela ONU, completa 62 anos. Já em seu preâmbulo, aponta-se para “o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis”. O trabalho e a educação estão presentes na Declaração.

Friedrich Engels escreveu, nesse sentido, em 1876 um ensaio intitulado “O papel do trabalho na transformação do macaco em homem”. Nele, Engels afirma que “o trabalho, porém, é muitíssimo mais do que isso (produzir riqueza). É a condição básica e fundamental de toda a vida humana. E em tal grau que, até certo ponto, podemos afirmar que o trabalho criou o próprio homem”.

O trabalho está diretamente ligado à condição da dignidade humana e, não sem motivo, apontada como fator fundamental. É fato que, no Brasil, 7,3% da população economicamente ativa em abril/2010 estavam desempregados, segundo dados divulgados pelo IBGE. Esses dados apenas reforçam a necessidade de reinterpretarmos a noção do que é dignidade do trabalhador. É necessário o reconhecimento da própria dignidade humana em todas as esferas e, nesse sentido, a educação tem um papel essencial. Não é ela a ‘salvadora’ ou ‘última solução’, mas é mediado pela educação, que conseguimos entender os processos a nossa volta e as mudanças fundamentais que ainda temos de desencadear para a transformação social.

Parece-me inconcebível negar trabalho a alguém, já que o emprego, estatisticamente referenciado, o é de fato negado. Lembrando de Engels, é “o trabalho [que] criou o próprio homem”. Não podemos negar ao ser humano a dignidade de produzir e se humanizar, ao mesmo tempo em que se constitui nessa relação. Esse parece ser um ponto amplamente aceito pela maioria das esferas produtivas e pelas camadas sociais.

Porém, esse assunto parece não ser tão aceito assim, quando falamos de trabalho e educação para os privados de liberdade. A própria temática parece gerar ojeriza, frustação e incômodo, quando é defendida por alguém em espaços públicos. O crime perpetrado alcança maior impacto e, esquecemos que, por detrás dele, existe uma pessoa, um ser humano, normalmenete oriundos das camadas mais baixas da sociedade e excluídos dos direitos sociais fundamentais de cidadania.

O indivíduo, seja livre ou privado de liberdade, possui direito ao trabalho e a educação. Tanto a Constituição Federal (art. 6º), quanto a Lei de Execução Penal (art. 41, inciso II; art. 17) preconizam esses direitos. É preciso quebrar o ciclo vicioso de que, uma “vez preso, preso para sempre” ou “bandido não se recupera”. De fato, criminosos profissionais tem tido baixa incidência de recuperação, mas os milhares de excluídos sociais ou “homo saucer”, para lembrar Zygmunt Bauman, que sempre foram tratados socialmente como “lixos humanos”, podem sê-lo. Essas vidas não precisam ser desperdiçadas.

Dois avanços promissores, no sentido de garantir a possibilidade de mudança no espaço das prisões, ocorreram no mês de maio último. O primeiro foi o passo dado pelo MEC, que homologou o Parecer CNE/CEB nº 4/2010, do Conselho Nacional de Educação, que estabelece Diretrizes Nacionais para a oferta de educação para jovens e adultos em situação de privação de liberdade, visando ampliar o atendimento hoje praticado que atinge pouco mais de 10% da população carcerária. O segundo foi a Lei nº 12.245/10 que altera o art. 83 da Lei de Execução Penal, para autorizar a instalação de salas de aulas destinadas a cursos do ensino básico e profissionalizante nos presídios.

Esses avanços, atendendo a direitos fundamentais do indivíduo, apontam para o reconhecimento da dignidade do homem. Ainda é pouco, já que temos abismais diferenças sociais, que cada dia mais, leva milhares de jovens e adultos para a criminalidade.


Parceria em educação e qualificação (Notícia do JT de 06.06.2010)

Parceria em educação e qualificação

Palmas - Uma parceria entre a Fundação Universidade do Tocantins (Unitins) e Secretaria Estadual de Cidadania e Justiça (Seciju) vai criar grupos de discussão com presos, professores e agentes prisionais, sobre trabalho, ressocialização, direitos humanos, cidadania, família, entre outros. O professor e coordenador do Grupo de Pesquisa em Educação, Cultura e Transversalidade da Unitins, Gilson Porto Junior, explicou que é um projeto de extensão para os presos, que está em fase de finalização e ajustes junto com a Seciju. O projeto se chama Diálogo e emancipação: conversas com interprivados de liberdade e deve começar inicialmente no Presídio Agrícola Luz do Amanhã, em Cariri.

Segundo o titular da Seciju, Carlos Alberto Dias Moraes, o grande objetivo desse projeto é ressocializar para não reincidir. “Serão instaladas salas de aula tele presenciais”, explicou. Segundo Moraes, será levada para dentro do sistema penitenciário, a possibilidade dos detentos estudarem.

De acordo com o secretário, o projeto vai além. “No primeiro semestre do ano que vem já entra para o sistema, a possibilidade dos presos cursarem ensino superior à distância”, explicou acrescentando que ainda não há data para o início do projeto.


75,6% dos presos não têm atividade ( entrevista ao Jornal do Tocantins 06.06.2010)

75,6% dos presos não têm atividade

Especialista vê falta de qualificação e oportunidades de trabalho para a ressocialização dos que cometeram crime e ganharam a liberdade

Isabelle Bento
Palmas

Começar de novo e contar comigo, vai valer a pena ter amanhecido. Para quem cometeu um crime e quer reconstruir a vida, essa seria uma quase perfeita trilha sonora, na letra de Ivan Lins. Mas para valer a pena contar só consigo mesmo para recomeçar é bem difícil. Em dezembro de 2009, segundo dados do Sistema Integrado de Informações Penitenciárias (InfoPen) do Ministério da Justiça, o Tocantins tinha uma população carcerária de 1.935 presos. Desses, 472 (24,4%) desenvolviam trabalho externo. 75,6% dos presos não desenvolviam nenhuma atividade. Segundo a Secretaria Estadual de Cidadania e Justiça (Seciju), em maio desse ano, dos cerca de 2.100 detentos do Estado, 285 eram reincidentes, ou seja, cometeram um crime, foram condenados, saíram da prisão e foram presos novamente cometendo algum tipo de crime.

De acordo com o titular da Seciju, Carlos Alberto Dias Moraes, não há no Estado, além do Tribunal de Justiça do Tocantins (TJ-TO), nenhuma instituição que tenha um programa direcionado a oferecer oportunidades para ex-presidiários ou detentos que estejam cumprindo pena em regime aberto ou semi-aberto. Hoje, o TJ-TO emprega 10 pessoas dentro desse perfil há cerca de três meses.

O professor e coordenador do Grupo de Pesquisa em Educação, Cultura e Transversalidade da Fundação Universidade do Tocantins (Unitins), Gilson Porto Junior, acredita que os principais motivos de reincidência de ex-detentos no crime são a falta de oportunidades de trabalho e a ausência de qualificação, quando eles ganham a liberdade. Segundo o InfoPen em dezembro de 2009 69,23% dos presos não tinham sequer o ensino fundamental. Desses, 183 eram analfabetos.

De acordo com Porto, a marca que o preso carrega é para o resto da vida. E dependendo desse estigma social, alguns vão ter dificuldade de superar e vão acabar retornando para o mundo do crime. “Temos um problema grave. Como nós lidamos com aquelas pessoas que são consideradas indesejáveis dentro do espaço social? Nossa opção no Brasil tem sido trancá-las num presídio e esquecer que elas existem, que é assim que o sistema prisional é tratado”, explicou. Segundo o professor, este é um problema que está sendo deixado para as gerações futuras. “Eu posso esquecer ela agora, mas entra governo e sai governo e a situação vai sendo postergada. Em algum momento, a situação vai estourar, com rebelião com fugas. Tudo isso é uma questão de tempo”, concluiu.

O professor questionou ainda que emprego seria dado para um ex-preso. “Você daria emprego para uma pessoa sabendo que ele matou, ele estuprou? Nós temos que criar condições para que não exista a reincidência”. Segundo Porto, a Lei de Execução Penal prevê que 5% das vagas de trabalho em empresas que prestam serviço para o governo devem ser direcionadas para presos. “Mas no Brasil, dificilmente isso é praticado, basicamente por causa do preconceito. Se você tivesse um comércio e chegasse um ex-presidiário que ficou 15 anos preso por assassinato será que você contrataria?”, questionou. O professor contou que o Grupo de Pesquisa fez um Mapeamento da situação laboral há cerca de três anos em Palmas. “Nós perguntamos aos comerciantes de Palmas se eles dariam emprego a um ex-preso. Mais de 80% não dariam emprego. Quando se pensa em uma pessoa que foi presa voltando para a sociedade, você nunca imagina um preso num cargo de confiança de chefia, porque você cria uma marca um estigma de que ele é um ser perigoso. O que você vai dar para uma pessoa perigosa?”, questionou.

Trabalho
De acordo com o secretário Moraes, o Estado somente agora está começando o trabalho de ressocialização, qualificação e educação, que era muito precário. Segundo a assessoria de comunicação da Seciju, não há estatísticas que apontem quantos detentos em regime aberto ou semi-aberto e os que cumpriram a pena e ganharam a liberadade conseguiram uma oportunidade de trabalho.

Segundo Moraes, o início dos trabalhos para alcançar uma meta maior aconteceu esta semana com a assinatura de um convênio com o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), que vai oferecer 80 vagas de cursos profissionalizantes de pedreiro, carpinteiro, armador de telhados, instalador hidráulico e pintor, para detentos do Presídio Agrícola Luz do Amanhã, em Cariri, região Sul do Estado. De acordo com Moraes, a meta é expandir esses cursos profissionalizantes para todos os estabelecimentos prisionais do Estado.

Além disso três estados onde têm trabalhos desenvolvidos com presos foram visitados pela secretaria. Assim, segundo o secretário, experiências desses estados estão sendo estudadas para serem adaptadas as necessidades e peculiaridades do Tocantins. “Nós precisamos trabalhar em um projeto que atenda a necessidade do Estado. Um projeto de reinserção social, capacitação profissional”, explicou.

Com essa capacitação, espaços apropriados para os presos trabalharem desenvolvendo serviços terceirizados para empresas, serão construídos por eles mesmos.



Depoimento

Começar de novo e contar contigo
Cometi um homicídio em 2001. Fui condenado e estive preso em Araguaína, onde trabalhei um ano e quatro meses, com artesanato. Fui transferido para Palmas trabalhei um mês e 18 dias, fazendo serviços gerais. Transferiram-me para Gurupi, quando entrei no regime semi-aberto. Lá eu trabalhei quatro meses na horta. Então fui transferido para Araguaína pela segunda vez, quando trabalhei dois meses com confecção de redes de futebol dentro do presídio. Foi quando entrei no regime aberto, por ter tido minha pena remida por esses períodos que trabalhei nos presídios.

E vim trabalhar no TJ-TO porque a desembargadora Willamara Leila (presidente do TJ-TO) conseguiu a aprovação para empregar ex-presidiário. Porque as portas do comércio e do trabalho estão fechadas para quem é ex-presidiário. A sociedade... ela julga como um deus. Ela simplesmente condena e não dá nenhuma oportunidade de reabilitação. E através do TJ-TO, nós estamos trabalhando, recebendo esse benefício que a sociedade não deu. A sociedade só sentencia e exclui. O homem sai da prisão e para sociedade ele é um lixo, que ela descarta. Porque a sociedade não perdoa ninguém. Ela só fala que perdoa, mas ela não perdoa. Ela não dá uma oportunidade à pessoa para ela provar que é alguém, que também tem sentimentos, que também tem família, que quer reconstruir a vida.

A oportunidade de trabalhar no presídio, como eu tive, já me ajudou. O trabalho abre outros horizontes para enxergar as coisas de outra maneira, não da maneira que a pessoa cai ali, mas enxergar que a vida pode ser diferente.

Mas quando o cara sai, as portas que ele bate estão fechadas. Entra em depressão. As vezes a pessoa não quer voltar para o mundo do crime, mas a situação constrange de um jeito que o cara fica deprimido, e praticamente ... não digo obrigado porque ninguém é obrigado a fazer nada, mas ele fica numa situação quase que obrigado a voltar para aquele mundo. Então uma oportunidade como essa que foi dada por essa instituição é grande é excelente. Não só para mim, mas para os outros que estão aqui. E para outros que hão de vir não só para essa repartição, mas para outras do governo. Ou quem sabe para empresas particulares. Porque se eles analisarem esse projeto e verem o comportamento dos que estão aqui trabalhando, eles vão ver que vale a pena investir nesse povo. Eles vão ver que tem pessoas qualificadas, capacitadas, mão de obra qualificada para trabalhar.

Existe também uma questão lá dentro. Muitos não querem ajuda. Aí é diferente. Pessoas que não querem se regenerar, que não querem voltar a conviver como homem de bem dentro da sociedade, ele se acostumou com o mundo do crime e não quer uma oportunidade. Mas a maioria quer uma oportunidade.

Depoimento de Sérgio (nome fictício) ao Jornal do Tocantins

 
Home | Gallery | Tutorials | Freebies | About Us | Contact Us

Copyright © 2009-2010 GPECT |Designed by Templatemo |Converted to blogger by BloggerThemes.Net