75,6% dos presos não têm atividade
Especialista vê falta de qualificação e oportunidades de trabalho para a ressocialização dos que cometeram crime e ganharam a liberdade
Isabelle Bento
Palmas
Começar de novo e contar comigo, vai valer a pena ter amanhecido. Para quem cometeu um crime e quer reconstruir a vida, essa seria uma quase perfeita trilha sonora, na letra de Ivan Lins. Mas para valer a pena contar só consigo mesmo para recomeçar é bem difícil. Em dezembro de 2009, segundo dados do Sistema Integrado de Informações Penitenciárias (InfoPen) do Ministério da Justiça, o Tocantins tinha uma população carcerária de 1.935 presos. Desses, 472 (24,4%) desenvolviam trabalho externo. 75,6% dos presos não desenvolviam nenhuma atividade. Segundo a Secretaria Estadual de Cidadania e Justiça (Seciju), em maio desse ano, dos cerca de 2.100 detentos do Estado, 285 eram reincidentes, ou seja, cometeram um crime, foram condenados, saíram da prisão e foram presos novamente cometendo algum tipo de crime.
De acordo com o titular da Seciju, Carlos Alberto Dias Moraes, não há no Estado, além do Tribunal de Justiça do Tocantins (TJ-TO), nenhuma instituição que tenha um programa direcionado a oferecer oportunidades para ex-presidiários ou detentos que estejam cumprindo pena em regime aberto ou semi-aberto. Hoje, o TJ-TO emprega 10 pessoas dentro desse perfil há cerca de três meses.
O professor e coordenador do Grupo de Pesquisa em Educação, Cultura e Transversalidade da Fundação Universidade do Tocantins (Unitins), Gilson Porto Junior, acredita que os principais motivos de reincidência de ex-detentos no crime são a falta de oportunidades de trabalho e a ausência de qualificação, quando eles ganham a liberdade. Segundo o InfoPen em dezembro de 2009 69,23% dos presos não tinham sequer o ensino fundamental. Desses, 183 eram analfabetos.
De acordo com Porto, a marca que o preso carrega é para o resto da vida. E dependendo desse estigma social, alguns vão ter dificuldade de superar e vão acabar retornando para o mundo do crime. “Temos um problema grave. Como nós lidamos com aquelas pessoas que são consideradas indesejáveis dentro do espaço social? Nossa opção no Brasil tem sido trancá-las num presídio e esquecer que elas existem, que é assim que o sistema prisional é tratado”, explicou. Segundo o professor, este é um problema que está sendo deixado para as gerações futuras. “Eu posso esquecer ela agora, mas entra governo e sai governo e a situação vai sendo postergada. Em algum momento, a situação vai estourar, com rebelião com fugas. Tudo isso é uma questão de tempo”, concluiu.
O professor questionou ainda que emprego seria dado para um ex-preso. “Você daria emprego para uma pessoa sabendo que ele matou, ele estuprou? Nós temos que criar condições para que não exista a reincidência”. Segundo Porto, a Lei de Execução Penal prevê que 5% das vagas de trabalho em empresas que prestam serviço para o governo devem ser direcionadas para presos. “Mas no Brasil, dificilmente isso é praticado, basicamente por causa do preconceito. Se você tivesse um comércio e chegasse um ex-presidiário que ficou 15 anos preso por assassinato será que você contrataria?”, questionou. O professor contou que o Grupo de Pesquisa fez um Mapeamento da situação laboral há cerca de três anos em Palmas. “Nós perguntamos aos comerciantes de Palmas se eles dariam emprego a um ex-preso. Mais de 80% não dariam emprego. Quando se pensa em uma pessoa que foi presa voltando para a sociedade, você nunca imagina um preso num cargo de confiança de chefia, porque você cria uma marca um estigma de que ele é um ser perigoso. O que você vai dar para uma pessoa perigosa?”, questionou.
Trabalho
De acordo com o secretário Moraes, o Estado somente agora está começando o trabalho de ressocialização, qualificação e educação, que era muito precário. Segundo a assessoria de comunicação da Seciju, não há estatísticas que apontem quantos detentos em regime aberto ou semi-aberto e os que cumpriram a pena e ganharam a liberadade conseguiram uma oportunidade de trabalho.
Segundo Moraes, o início dos trabalhos para alcançar uma meta maior aconteceu esta semana com a assinatura de um convênio com o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), que vai oferecer 80 vagas de cursos profissionalizantes de pedreiro, carpinteiro, armador de telhados, instalador hidráulico e pintor, para detentos do Presídio Agrícola Luz do Amanhã, em Cariri, região Sul do Estado. De acordo com Moraes, a meta é expandir esses cursos profissionalizantes para todos os estabelecimentos prisionais do Estado.
Além disso três estados onde têm trabalhos desenvolvidos com presos foram visitados pela secretaria. Assim, segundo o secretário, experiências desses estados estão sendo estudadas para serem adaptadas as necessidades e peculiaridades do Tocantins. “Nós precisamos trabalhar em um projeto que atenda a necessidade do Estado. Um projeto de reinserção social, capacitação profissional”, explicou.
Com essa capacitação, espaços apropriados para os presos trabalharem desenvolvendo serviços terceirizados para empresas, serão construídos por eles mesmos.
Depoimento
Começar de novo e contar contigo
Cometi um homicídio em 2001. Fui condenado e estive preso em Araguaína, onde trabalhei um ano e quatro meses, com artesanato. Fui transferido para Palmas trabalhei um mês e 18 dias, fazendo serviços gerais. Transferiram-me para Gurupi, quando entrei no regime semi-aberto. Lá eu trabalhei quatro meses na horta. Então fui transferido para Araguaína pela segunda vez, quando trabalhei dois meses com confecção de redes de futebol dentro do presídio. Foi quando entrei no regime aberto, por ter tido minha pena remida por esses períodos que trabalhei nos presídios.
E vim trabalhar no TJ-TO porque a desembargadora Willamara Leila (presidente do TJ-TO) conseguiu a aprovação para empregar ex-presidiário. Porque as portas do comércio e do trabalho estão fechadas para quem é ex-presidiário. A sociedade... ela julga como um deus. Ela simplesmente condena e não dá nenhuma oportunidade de reabilitação. E através do TJ-TO, nós estamos trabalhando, recebendo esse benefício que a sociedade não deu. A sociedade só sentencia e exclui. O homem sai da prisão e para sociedade ele é um lixo, que ela descarta. Porque a sociedade não perdoa ninguém. Ela só fala que perdoa, mas ela não perdoa. Ela não dá uma oportunidade à pessoa para ela provar que é alguém, que também tem sentimentos, que também tem família, que quer reconstruir a vida.
A oportunidade de trabalhar no presídio, como eu tive, já me ajudou. O trabalho abre outros horizontes para enxergar as coisas de outra maneira, não da maneira que a pessoa cai ali, mas enxergar que a vida pode ser diferente.
Mas quando o cara sai, as portas que ele bate estão fechadas. Entra em depressão. As vezes a pessoa não quer voltar para o mundo do crime, mas a situação constrange de um jeito que o cara fica deprimido, e praticamente ... não digo obrigado porque ninguém é obrigado a fazer nada, mas ele fica numa situação quase que obrigado a voltar para aquele mundo. Então uma oportunidade como essa que foi dada por essa instituição é grande é excelente. Não só para mim, mas para os outros que estão aqui. E para outros que hão de vir não só para essa repartição, mas para outras do governo. Ou quem sabe para empresas particulares. Porque se eles analisarem esse projeto e verem o comportamento dos que estão aqui trabalhando, eles vão ver que vale a pena investir nesse povo. Eles vão ver que tem pessoas qualificadas, capacitadas, mão de obra qualificada para trabalhar.
Existe também uma questão lá dentro. Muitos não querem ajuda. Aí é diferente. Pessoas que não querem se regenerar, que não querem voltar a conviver como homem de bem dentro da sociedade, ele se acostumou com o mundo do crime e não quer uma oportunidade. Mas a maioria quer uma oportunidade.
Depoimento de Sérgio (nome fictício) ao Jornal do Tocantins
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